Uma ferramenta digital como método de pesquisa na psicologia cultural semiótica: O experimento dos cartões.
Desde 2020, nosso grupo de pesquisa vem desenvolvendo vários planos de trabalho que se filiam ao projeto “Trajetória de vida de professores e professoras de música: interconexões entre as dinâmicas da docência e da performance”. A psicologia cultural semiótica é a principal corrente teórico-metodológica adotada nos estudos do grupo de pesquisa e combina métodos qualitativos de base idiográfica (MOLENAAR, 2004; MOLENAAR; VALSINER, 2005; SALVATORE; VALSINER, 2010) que buscam “compreender a generalidade dentro de particulares sempre únicos” (VALSINER, 2012, p. 320). O Ciclo Metodológico (BRANCO; VALSINER, 1997) tem balizado nossas propostas metodológicas e sinaliza a necessidade do(a) pesquisador(a) lançar mão de métodos construídos dentro de um ciclo de metodologia, que está sempre no centro da criação de conhecimento. Segundo Valsiner (2017, p.22),
"a ciência parte da intuição — ainda que educada, no processo de iniciação às práticas sociais da ciência. As maneiras como essa iniciação funciona diferem entre as disciplinas. A intuição educada está no cerne de toda a ciência. A primeira pergunta para um pesquisador é quais perguntas de pesquisa valem a pena perguntar em primeiro lugar? A intuição aqui vem em primeiro lugar – mas é educada, não ingênua e não “pura”. Existem muitas camadas de necessidades pessoais e culturais que transformam uma pessoa comum em um cientista. Aqui o cientista e o artista funcionam de forma semelhante – o surgimento de uma ideia está escondido em algum lugar no infinito interno de nossa mente."
Destacamos que o cerne da psicologia cultural semiótica é investigar o ser humano em seu processo de construção de significados sobre as mais variadas experiências de vida – das mais cotidianas às mais esporádicas. Essa teoria advoga que o ser humano experiencia o mundo em “separação inclusiva” (VALSINER, 1998), isto é, em uma relação interdependente entre o próprio sujeito e o ambiente. Logo, nosso foco de investigação sempre considera o sujeito como construtor de significados de experiência de vida, mais especificamente experiências musicais. Zittoun (2009, p.407) alerta-nos que a construção de significado só pode ser observada por meio dos processos de internalização e externalização:
"Não se pode saber o que uma pessoa pensa sobre A; pode-se saber em quais circunstâncias a pessoa foi exposta à A (isto é, as condições de uma possível internalização), e o que ela diz ou faz sobre A (o que ela externaliza) – e é somente com base nisso que o pensamento da pessoa sobre A pode ser inferido."
Métodos de extrospecção, como a entrevista, muito utilizada em pesquisas nas áreas de ciências humanas e sociais, apresenta limites – caso a pessoa seja tímida, por exemplo, a externalização fica comprometida, sendo necessário recorrer, muitas vezes, à combinação de métodos, como sugerido por Zittoun (2009). Para ampliar as possibilidades de métodos de extrospecção, de modo a dar conta da complexidade dos fenômenos psicológicos, temos criado alguns métodos em nosso grupo de pesquisa, e um deles – o experimento dos cartões, tem produzido respostas satisfatórias aos propósitos de construção de dados, sendo utilizado, inclusive, por outros pesquisadores em outras instituições – Mele, Español, Carvalho e Marsico (2021), Mele e Marsico (2019), Monteiro et al. (2018) e Silva (2021). O experimento dos cartões trata-se de um método de construção de dados, de caráter sociocultural, criado, em 2017, pelo grupo de pesquisa ao qual nos filiamos, como possibilidade de expandir a entrevista e potencializar as externalizações dos participantes, do então projeto de pesquisa em vigor, que versava sobre a escolha do instrumento musical. O(A)s pesquisador(a)s prepararam cartões físicos (ver figura 1) contemplando o máximo de instrumentos musicais possível, dentro das reais possibilidades locais (ex.: instrumentos comumente presentes nas bandas de música, local de formação musical da maioria dos participantes). Os 20 cartões utilizados no experimento foram distribuídos sobre a mesa e ao participante foi solicitado que escolhesse 10 cartões. Na sequência, o participante explica suas escolhas e o pesquisador, então, solicita que ele escolha apenas 3 cartões dos 10 que ele escolhera. Questões sobre a ausência dos demais instrumentos na trajetória musical do participante, além de sentimentos e entendimentos sobre o processo de escolha ocorrendo naquele momento também foram levantadas. Assim, buscaremos, a partir desse plano de atividade, otimizar o referido instrumento de construção (ou coleta) de dados, transformando-o em uma ferramenta digital, a partir da interdisciplinaridade estabelecida entre nosso grupo de pesquisa e um outro curso da área de TI, no mesmo campus. Desse modo, as pesquisas que desenvolvemos sobre as trajetórias de vida de professore(as) irão se beneficiar diretamente com o produto que resultará da execução do presente plano de atividade, podendo utilizá-lo, inclusive, em entrevistas remotas. A ferramenta digital (software) será um site/aplicação na web, empregando-se o uso de várias tecnologias (html, javascript, css etc.), para que o sistema disponibilizado possa ser acessado a partir de qualquer navegador, além de ter design que possibilite se adaptar para toda e qualquer resolução de tela, independente do dispositivo. Com a ferramenta, pesquisadores poderão montar seus experimentos, recorrendo a imagens públicas, disponíveis na internet ou imagens próprias. Os pesquisadores poderão seguir a ideia original, no que concerne ao modo como as perguntas, que seguem durante a realização do experimento, são conduzidas. Dessa forma o pesquisador terá liberdade para utilizar a ferramenta da forma como achar adequado ao seu estudo. Variações do experimento dos cartões também serão desenvolvidas, a partir de estudos já realizados, como Silva (2021) que utilizou cartões em branco que foram preenchidos pelos participantes, ampliando a capacidade de externalização dos mesmos, sobre o fenômeno sob investigação. Outras variações, construídas na realização deste plano de trabalho, também poderão surgir. Ao introduzir essa ferramenta digital ao método de extrospecção entrevista, potencializaremos as externalizações dos participantes e abriremos um caminho de investigação para a Interação Humano-Computador(IHC), utilizando princípios da Engenharia Semiótica como os designs centrado na comunicação e na avaliação dos protótipos.
Desenvolver um software em forma de aplicação web para transformar um experimento físico, utilizado na psicologia cultural semiótica, em um experimento digital e online.
- Levantar requisitos do software;
- Desenhar protótipos de telas;
- Desenvolver o software;
- Validar com usuários.
- Levantamento bibliográfico referente à IHC;
- Estudo das possibilidades de exploração do experimento dos cartões, em sua versão digital;
- Criação do documento de requisitos de software;
- Elaboração dos protótipos de telas;
- Desenvolvimento do código e banco de dados;
- Disponibilização aos usuários para realização de testes.
Iniciação Científica do estudante-pesquisador que desenvolverá este Plano de Trabalho, ampliando e fortalecendo sua formação acadêmica; Desenvolvimento de um produto destinado à utilização do mesmo como método de pesquisa em psicologia cultural semiótica e outras áreas do conhecimento; Promover interdisciplinaridade entre as áreas da psicologia cultural semiótica e da engenharia de software; Elaboração de trabalhos orais e escritos (resumos expandidos, pôsteres etc.) a serem apresentados em eventos científicos diversos; Elaboração de artigo científico com publicação em periódico.
O presente Plano de Trabalho possui total viabilidade de execução. Os recursos físicos necessários são disponibilizados pelo campus. O Projeto de Pesquisa ao qual esse plano de atividade se vincula já possui autorização do CONEP/Plataforma Brasil através do Parecer nº 4.436.818 e do CAAE nº 37772520.0.0000.5189.